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O DESEJO HUMANO 

Atualizado: 18 de nov.

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Este breve texto tem por objetivo apresentar, de forma introdutória, o conceito de desejo a partir dos olhares filosófico, psicanalítico e esquizoanalítico.


O desejo humano é um fenômeno que surge com a própria espécie. Ao longo da história, encontramos narrativas religiosas e moralistas que tratam o desejo de forma predominantemente negativa, como se fosse algo perigoso ou destrutivo para a integridade humana.


Na filosofia platônica, o desejo costuma ser entendido como uma força fundamental da vida humana, ligada à ética, à política e à metafísica. Segundo Platão, “o desejo é sempre desejo do que não se tem”. Desejamos aquilo que nos falta, e essa falta move a alma em direção ao que ela considera bom. No Banquete, Platão afirma: “ninguém deseja o que já possui; desejamos o que não temos, o que não somos, o que nos falta”.


Essa ideia de desejo como falta atravessa séculos. Sartre, filósofo do século XX, afirma que “o homem é fundamentalmente desejo de ser”, ou seja, “o desejo é falta”. Assim, pensar o desejo como falta que produz movimento e potência — e reconhecendo que nem sempre alcançamos o que desejamos — nos mostra que o desejo pode ser fonte tanto de sofrimento quanto de prazer. Afinal, vivemos em sociedade, e muitas vezes o desejo entra em conflito com as normas culturais. A afirmação ou a negação do desejo pode nos aproximar de uma sensação de plenitude, dependendo do tipo de encontro que se estabelece entre o sujeito e o objeto desejado.


Na psicanálise, especialmente em Freud e Lacan, o conceito de desejo continua fundamentado na ideia de “falta”. Para Freud, o desejo nasce no inconsciente e tem origem em experiências reprimidas e fantasias, podendo ou não ter caráter sexual. Outro aspecto fundamental é que o desejo nunca se realiza plenamente; por isso, o sujeito permanece desejante, manifestando seu desejo de modo disfarçado, por meio de sonhos, sintomas, atos falhos, lapsos etc. Sua estrutura se organiza no Complexo de Édipo: o sujeito deseja o objeto proibido, reprime esse desejo e, assim, surgem os conteúdos latentes que compõem o inconsciente.


Lacan, por sua vez, afirma que “o desejo não é algo natural nem biológico, mas uma produção do campo do Outro — linguagem e cultura” e que, por sua estrutura, é irrealizável. O desejo nunca se completa; está sempre em busca do “objeto a”, causa do desejar. Segundo Lacan, é o desejo que cria as condições da singularidade: o sujeito é, antes de tudo, essa possibilidade que se manifesta no desejo.


É na esquizoanálise que ocorre uma virada conceitual. Deleuze e Guattari, em O Anti-Édipo, formulam uma crítica profunda à psicanálise freudiana, especialmente ao Complexo de Édipo. Na perspectiva esquizoanalítica, o desejo é entendido de forma radicalmente distinta da tradição filosófica e da psicanálise: ele é uma força produtiva, criadora, sempre em fluxo, um conjunto de engrenagens que se conectam continuamente. Não se trata de falta, carência ou busca por completude. Pelo contrário: desejo é movimento, conexão, produção de mundos possíveis — é devir, é a dinâmica da própria vida.


Para esses dois autores, o desejo é produção ininterrupta. O sujeito não produz o desejo; é o desejo que produz o sujeito. O indivíduo é apenas um efeito dessas conexões produtivas. Desejar é produzir vida.


Concluo esta breve reflexão com a “Doutrina do Meio-Termo”, de Aristóteles. Particularmente, acredito que o meio-termo é um caminho fértil para buscar equilíbrio no movimento da vida. Pensar o desejo no cotidiano — seja a partir da perspectiva da falta ou da produção — implica conhecer-se minimamente para encontrar um ponto de equilíbrio entre afirmar ou negar o próprio desejo. Afinal, o sujeito se estrutura por fluxos e cortes, por processos contínuos de produção, e é preciso assumir e se responsabilizar pelos mundos possíveis que criamos.


Erasmo Lima - Psicanalista


 
 
 

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